Esta matéria vem de Portugal - e tem tudo a ver com o que está acontecendo também no Brasil, por isso achei pertinente copiá-la pra cá.
link original: http://www.publico.pt/Sociedade/aumento-de-partos-em-casa-por-falta-de-alternativas-naturais-nos-hospitais-1541217?all=1
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Recuemos 42 anos, a 1970: em Portugal, 93% das crianças nasciam em casa, situação que, um ano depois do 25 de Abril, já está invertida, nasce-se sobretudo em hospitais. Quando chegamos a 1997, o país já está reduzido a pouco mais de mil partos domiciliários, face a uns esmagadores 111.226 nascimentos em ambiente hospitalar.
Rita Cruz teve de procurar muito para ter um parto natural num hospital. Passou-lhe pela cabeça ter um parto em casa, mas diz que não se sentiria segura porque o país não está preparado e porque sente que seria difícil "encontrar um profissional que lhe inspirasse segurança". O que queria era algo que lhe parecia quase impossível: ter um parto o mais natural possível mas num hospital público. Conseguiu. As fotos do nascimento de Marc mostram-na a ela e ao marido dentro de um tanque de água onde esteve grande parte das suas cinco horas de trabalho de parto, numa sala do Hospital de Setúbal. Pouco foi tocada e os enfermeiros que a assistiram limitaram-se a fazer ajustamento das posições do bebé, conta.
Rita, que vive em Faro, pensa que a atitude das mulheres quando vão ter um filho a um hospital é "tirem-me o bebé, vocês é que sabem fazer isso". É como se os profissionais de saúde fossem possuidores desse saber e nada estivesse nas mãos da grávida.
Fisioterapeuta de profissão, esta mulher sabia que não era assim: sabia que é bom a mulher ter liberdade de movimentos e não ter de estar deitada, que o facto de o bebé estar sempre a ser monitorizado impede essa liberdade de movimentos, que a epidural desacelera as contracções. Tudo o que Rita não queria no seu parto. E foi isso que levou escrito no seu plano de parto, um documento assinado por si e pelo marido depois de uma pesquisa no site da Organização Mundial de Saúde. Visitaram o hospital às 30 semanas e discutiram o plano de parto com o enfermeiro responsável. Claro que, se houvesse complicações, deixavam "margem de manobra" para todas as soluções técnicas necessárias, da cesariana aos fórceps.
Partos na água
No sistema público, o Hospital de São João, no Porto, foi anunciado em 2008 como tendo uma experiência pioneira de partos na água, mas está desactivado, confirma Lisa Vicente, chefe da divisão de saúde reprodutiva da Direcção-Geral de Saúde, ressalvando que "as medidas de promoção de partos normais menos intervencionados e em segurança vão aparecendo nos vários serviços". Para tal concorrem também os esforços de diminuição das cesarianas.
A responsável afirma que foi importante o apoio de um documento que define o que é "um parto normal em ambiente hospitalar", reconhecendo que há práticas que se instalaram relativamente às quais não existe demonstração científica de terem qualquer utilidade no desfecho de parto. É o caso das tricotomias (rapagem dos pêlos púbicos) e dos clisteres antes do parto.
O bastonário da Ordem dos Enfermeiros (OE), Germano Couto, veio dizer, no mês passado, que o aumento do número de partos no domicílio, em Portugal, está muito relacionado com a "falta de resposta dos serviços de saúde às opções assistenciais que as mulheres e os casais desejam ver asseguradas no nascimento do seu filho". Aquele responsável vê os partos em casa como "um "novo" paradigma assistencial requerido pela sociedade civil".
Retrocesso, dizem médicos
A Ordem dos Médicos respondeu aos enfermeiros dizendo que o que entendiam ser "uma campanha em favor dos partos no domicílio" representava "um retrocesso". Alegam os médicos: "Para que o parto em casa pudesse ser uma opção admissível, seriam necessários meios logísticos sofisticados e dispendiosos, para nós incomportáveis, para apoio assistencial ao domicílio e transporte medicalizado dos recém-nascidos e grávidas com problemas inesperados".
Joana Duarte, escriturária de 34 anos, teve o seu primeiro filho num hospital público da Grande Lisboa há seis anos e toda a experiência foi traumática: "Aceleraram-me o parto com ocitocina [hormona], rebentaram-me as águas com um gancho metálico, vários profissionais fizerem-me toques vaginais sem me pedirem autorização" e "o corte [do períneo] foi mal feito, rasguei até ao ânus. Estive dois meses sem me conseguir sentar. Não me lembro da cara e do nome de ninguém, de um carinho, nada". Todo o parto aconteceu com Joana deitada e ela, que tanto queria amamentar, saiu do hospital com o filho alimentado com leite artificial.Prometeu-se, na altura, "que se tivesse outro filho não tinha de passar por aquilo". O segundo nascimento foi uma fuga a tudo por que passara no hospital. Decidiu que iria ter o parto em casa, apesar de quando estava grávida ter sido tornado público o caso da apresentadora Adelaide de Sousa, que esteve em casa quatro dias em trabalho de parto, correu risco de vida e teve de ser levada para o hospital, onde o bebé nasceu de cesariana.
Andar duas horas
A filha de Joana Duarte nasceu em casa em 2010, com o seu corpo mergulhado na banheira da sua casa de banho, com um enfermeiro e uma doula (profissionais que fazem assistência emocional em partos em casa). Quando as contracções se intensificaram, foi para a rua andar durante duas horas e foi Joana quem disse ao enfermeiro que estava na hora de nascer. "Foi tudo mais normal", recorda.
Vítor Varela defende que "as mulheres sentem-se mais seguras nos hospitais mas é necessário criar nos hospitais serviços de obstetrícia de baixa intervenção que respeitem o processo de parto natural".
O responsável não tem dúvidas de que a tendência será para o aumento dos partos em casa, também por causa da "falta de cumprimento das expectativas e desejos e necessidades das parturientes pelos profissionais de saúde". Um entrave ao aumento dos partos em causa, que costumam ser procurados por casais mais escolarizados, é o preço: ter um filho em casa não custa menos do que dois mil euros, admite o presidente do Colégio de Especialidade de Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica.
Rita Cruz teve de procurar muito para ter um parto natural num hospital. Passou-lhe pela cabeça ter um parto em casa, mas diz que não se sentiria segura porque o país não está preparado e porque sente que seria difícil "encontrar um profissional que lhe inspirasse segurança". O que queria era algo que lhe parecia quase impossível: ter um parto o mais natural possível mas num hospital público. Conseguiu. As fotos do nascimento de Marc mostram-na a ela e ao marido dentro de um tanque de água onde esteve grande parte das suas cinco horas de trabalho de parto, numa sala do Hospital de Setúbal. Pouco foi tocada e os enfermeiros que a assistiram limitaram-se a fazer ajustamento das posições do bebé, conta.
Rita, que vive em Faro, pensa que a atitude das mulheres quando vão ter um filho a um hospital é "tirem-me o bebé, vocês é que sabem fazer isso". É como se os profissionais de saúde fossem possuidores desse saber e nada estivesse nas mãos da grávida.
Fisioterapeuta de profissão, esta mulher sabia que não era assim: sabia que é bom a mulher ter liberdade de movimentos e não ter de estar deitada, que o facto de o bebé estar sempre a ser monitorizado impede essa liberdade de movimentos, que a epidural desacelera as contracções. Tudo o que Rita não queria no seu parto. E foi isso que levou escrito no seu plano de parto, um documento assinado por si e pelo marido depois de uma pesquisa no site da Organização Mundial de Saúde. Visitaram o hospital às 30 semanas e discutiram o plano de parto com o enfermeiro responsável. Claro que, se houvesse complicações, deixavam "margem de manobra" para todas as soluções técnicas necessárias, da cesariana aos fórceps.
Partos na água
No sistema público, o Hospital de São João, no Porto, foi anunciado em 2008 como tendo uma experiência pioneira de partos na água, mas está desactivado, confirma Lisa Vicente, chefe da divisão de saúde reprodutiva da Direcção-Geral de Saúde, ressalvando que "as medidas de promoção de partos normais menos intervencionados e em segurança vão aparecendo nos vários serviços". Para tal concorrem também os esforços de diminuição das cesarianas.
A responsável afirma que foi importante o apoio de um documento que define o que é "um parto normal em ambiente hospitalar", reconhecendo que há práticas que se instalaram relativamente às quais não existe demonstração científica de terem qualquer utilidade no desfecho de parto. É o caso das tricotomias (rapagem dos pêlos púbicos) e dos clisteres antes do parto.
O bastonário da Ordem dos Enfermeiros (OE), Germano Couto, veio dizer, no mês passado, que o aumento do número de partos no domicílio, em Portugal, está muito relacionado com a "falta de resposta dos serviços de saúde às opções assistenciais que as mulheres e os casais desejam ver asseguradas no nascimento do seu filho". Aquele responsável vê os partos em casa como "um "novo" paradigma assistencial requerido pela sociedade civil".
Retrocesso, dizem médicos
A Ordem dos Médicos respondeu aos enfermeiros dizendo que o que entendiam ser "uma campanha em favor dos partos no domicílio" representava "um retrocesso". Alegam os médicos: "Para que o parto em casa pudesse ser uma opção admissível, seriam necessários meios logísticos sofisticados e dispendiosos, para nós incomportáveis, para apoio assistencial ao domicílio e transporte medicalizado dos recém-nascidos e grávidas com problemas inesperados".
Joana Duarte, escriturária de 34 anos, teve o seu primeiro filho num hospital público da Grande Lisboa há seis anos e toda a experiência foi traumática: "Aceleraram-me o parto com ocitocina [hormona], rebentaram-me as águas com um gancho metálico, vários profissionais fizerem-me toques vaginais sem me pedirem autorização" e "o corte [do períneo] foi mal feito, rasguei até ao ânus. Estive dois meses sem me conseguir sentar. Não me lembro da cara e do nome de ninguém, de um carinho, nada". Todo o parto aconteceu com Joana deitada e ela, que tanto queria amamentar, saiu do hospital com o filho alimentado com leite artificial.Prometeu-se, na altura, "que se tivesse outro filho não tinha de passar por aquilo". O segundo nascimento foi uma fuga a tudo por que passara no hospital. Decidiu que iria ter o parto em casa, apesar de quando estava grávida ter sido tornado público o caso da apresentadora Adelaide de Sousa, que esteve em casa quatro dias em trabalho de parto, correu risco de vida e teve de ser levada para o hospital, onde o bebé nasceu de cesariana.
Andar duas horas
A filha de Joana Duarte nasceu em casa em 2010, com o seu corpo mergulhado na banheira da sua casa de banho, com um enfermeiro e uma doula (profissionais que fazem assistência emocional em partos em casa). Quando as contracções se intensificaram, foi para a rua andar durante duas horas e foi Joana quem disse ao enfermeiro que estava na hora de nascer. "Foi tudo mais normal", recorda.
Vítor Varela defende que "as mulheres sentem-se mais seguras nos hospitais mas é necessário criar nos hospitais serviços de obstetrícia de baixa intervenção que respeitem o processo de parto natural".
O responsável não tem dúvidas de que a tendência será para o aumento dos partos em casa, também por causa da "falta de cumprimento das expectativas e desejos e necessidades das parturientes pelos profissionais de saúde". Um entrave ao aumento dos partos em causa, que costumam ser procurados por casais mais escolarizados, é o preço: ter um filho em casa não custa menos do que dois mil euros, admite o presidente do Colégio de Especialidade de Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica.
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