GAPN São Carlos - SP

O Grupo de Apoio ao Parto Natural em São Carlos realiza reuniões quinzenais, às segundas-feiras, 19h30, no Espaço Pradoulas - Rua Jesuíno de Arruda, 1228 Jardim São Carlos.

Não precisa fazer inscrição. É só chegar e escolher o lugar. Acompanhantes são sempre bem vindos!

Venha tirar suas dúvidas sobre o melhor jeito de trazer seu bebê para o lado de cá da barriga!


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São Carlos, SP, Brazil
Psicólogas, doulas e mães, trabalhando pela humanização do parto. Vânia Bezerra- (16) 99794-3566/3413-7012 www.vaniadoula.blogspot.com vaniacrbezerra@yahoo.com.br Tatiana Nagliati - (16) 3372-7489 / 99172-1839 tatiananagliati@gmail.com

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Fernanda, Ricardo e Heitor - relato de parto


Quando minha amiga Teka gestou nossa querida Ana Sofia, eu acompanhei de perto, estávamos no meio do mestrado. Quando a Ana ia nascer, eu tinha acabado de vir do meu trabalho de campo no Acre - onde fui conhecer a aldeia Ashaninka do Rio Amônia – e eu tive um sonho: eu ia passar pelo “ritual do umbigo”. A imagem que tenho do sonho ainda é uma imagem em negativo analógico, de um ventre que de dentro sai um cordão umbilical ligado a um bebê, braços femininos o seguram, como se olhassem de frente, mãe e bebê. Esse sonho me dava a certeza de que um dia eu passaria pelo tal “ritual do umbigo”, nome sugestionado provavelmente pela minha formação em  Antropologia. Defendi meu mestrado dia 31 de agosto de 2011, esperei o dia seguinte para ir ao posto de saúde e marcar um ginecologista. Na hora me fizeram o teste de gravidez e curiosamente deu positivo. Era o fim de uma etapa e o começo de outra. Outra que modificaria nossas vidas para sempre.  

A partir de então, já com dois meses de gestação, comecei a viver em Calico Skies - Céus de algodão[1]. E até uma amiga que nunca soube disso um dia me chamou de “campos de algodão”, pela calma que meu ser lhe transmitia. Achei engraçado.

Bom, o tempo foi passando e de ultrassom em ultrassom acompanhávamos o crescimento do pequeno ser, no forninho ajeitado da minha barriga. O Ricardo levou um tempo enorme até a “ficha cair”, na verdade parece que até hoje ainda não caiu totalmente. Ele é apaixonado pelo bebê, que nasceu com a cara do papai e o jeitinho da mamãe. Também se tornou, para a amiga Simone, o “algodãozinho”, pelo seu jeito calmo e bonzinho.

A partir do quarto mês, descobri um grupo de apoio ao parto natural em São Carlos e comecei a frequentar as reuniões quinzenais, nas quais aprendi coisas que nunca havia imaginado. O grupo trazia depoimentos das mães que haviam parido pelo parto humanizado e informações acerca da natureza do ato de parir. Antes disso eu nunca, na minha vida toda, jamais tinha ouvido falar em “plano de parto”. E essa dúvida tenho sempre comigo: porque será que ninguém nunca fala nada do tal plano de parto? Por fim, as reuniões me trouxeram explicações e métodos para que o nosso parto fosse o mais livre possível de intervenções, sem anestesias ou cortes desnecessários, sem hormônios além daqueles que meu corpo produzisse e com o máximo possível de autonomia, podendo usar o chuveiro e me alimentar.

Havíamos completado 41 semanas e fui ao posto de saúde para dizer ao obstetra que havia tido um sinalzinho no dia anterior, um pouquinho de sangue, mas nada preocupante. Ele fez um exame de toque e constatou que estava com dois dedos de dilatação. Disse que eu estava entrando em trabalho de parto, mas que se nada mais evoluísse até o completar dessa semana, marcaríamos uma cesárea. Passei um dia tranqüilo, sentada na bola de pilates que havia comprado e usava-a rebolando para que ajudasse na dilatação. No dia seguinte era quinta feira e as 8h da manhã mais um sinal de sangue me dizia que estava evoluindo. 

Eu havia combinado com uma amiga para me ajudar a contar as contrações e liguei pra ela pra dizer que achava que estava começando. Ela havia sido minha aluna na bolsa de monitoria que realizei no mestrado e quando comecei a participar do grupo de gestantes ela estava lá, pesquisando o parto humanizado para seu TCC. Seria uma ajuda mútua, pois eu sabia que deveria esperar o máximo possível em casa as contrações chegarem, para apenas no momento certo ir para a maternidade. Meu sonho era parir na banheira e em casa, mas o momento financeiro não me permitia tal regalia. A ideia então era ficar o máximo possível no chuveiro em casa e quando as contrações estivessem a cada 3 minutos, partiríamos para a maternidade. Em contrapartida, a minha aluna que se tornou minha doula, faria do meu parto seu trabalho de campo e poderia usar essa experiência para a sua etnografia.

Quando foi 11hs da manha, comecei a sentir as contrações. Liguei para Natália que apareceu em meia hora. Ricardo tinha levado sua mãe para uma consulta. Quando Natália chegou, me ajudou a preparar um almoço. Eu estava com muita fome e quis almoçar arroz, feijão e bife. Ela me ajudou a preparar, pois eu já estava sentindo as primeiras dores, que no começo tinham o intervalo de 5 minutos, aproximadamente. Preparei um prato do qual eu não conseguia desfrutar. Eu começava a comer vinha uma contração. Quando ela passava, a gente esquentava o prato no microondas, mas quando eu tentava comer novamente, contração. Assim foi por umas quatro ou cinco vezes, até que desisti do prato. No momento das contrações, eu abraçava a bola e me entregava. 

Na verdade, no começo eu fiquei bastante preocupada com a Natália. Eu me sentia incomodando, com um pouco de vergonha. Ela, por sua vez, me tranqüilizava, dizendo “relaxa Dri”, tentando fazer-me sentir amparada.  Ela me dava água, mas eu não tinha comido quase nada. 



O Ricardo apareceu por volta das 14h e não acreditou que eu ia conseguir. Junto dele estava um casal amigo nosso, mas a presença dessas pessoas foi um pouco incomodo para mim. Natália sugeriu que fossemos para o chuveiro. Como eu não queria gastar muita água, decidi que iríamos para a casinha da minha sogra, a Nice, que fica nos fundos da casa ao lado da nossa, que estava desocupada e assim poderíamos gastar o quanto de água fosse necessário. 

Lá nos sentimos muito mais a vontade e eu comecei a me entregar para o trabalho de parto. Eu sentia as dores e gemia, agora já sem receio ou vergonha. Eu estava entrando no que as mulheres do grupo de apoio chamavam de “partolândia”. Fiquei no chuveiro por bastante tempo. Eu sentia muito frio, mas o quintal não recebia o sol necessário para eu me aquecer, então fiquei muito no chuveiro. A Natália, preocupada com minha alimentação, foi em casa buscar uma fruta. Trouxe uma banana e chocolate, mas assim que comi a banana, tive uma contração tão forte que foi a única com tanta intensidade. A banana não parou no estômago e então comi uns dois pedacinhos de chocolate. Mas principalmente, bebi muita água. As contrações vinham e voltavam e era até engraçado, pois nos intervalos eu podia conversar, rir, brincar com a situação, mas quando elas vinham, era uma entrega total e um deixar a dor vir, uma dor que não é bem dor. 

O tempo passou que não percebi. Sai do chuveiro algumas vezes e ia para a cama, mas lá era pior. Eu ficava de cócoras em cima da cama e me apoiava nos travesseiros. Lembro de ter olhado para fora e visto a tarde chegando. Achei estranho, pois para mim o tempo tinha parado e, no entanto a noite já estava chegando. Confesso que em alguns momentos, principalmente durante aquela única contração fortíssima, senti um pouco de medo. Medo de estarmos sozinhas, medo por a Natália não ser uma pessoa experiente. Ela foi excelente. E quando eu ficava com medo e perguntava pra ela se não estava na hora de irmos, ela me encorajava e dizia pra esperarmos mais um pouquinho, que ainda não tinha chegado a hora. Ela me hidratava o tempo todo e percebendo que o chuveiro me fazia bem me perguntava se eu não queria voltar pra lá. Num certo momento eu lhe pedi que trouxesse de casa uma bacia, para que eu pudesse fazer um assento na água quente. Foi bem agradável, mas quando a água esfriou, eu saí. Quando foi por voltadas 18:30h ela me comunicou que as contrações estavam estabilizando em 3 minutos. Quando teve a quarta contração no espaço de 3 minutos Natália me disse que havia chegado a hora de irmos. Até esse momento, contamos por volta de 90 contrações. 

Ela foi então avisar Ricardo de que estava na hora, mas eu não fiquei esperando. Fui atrás dela e peguei as coisas que estavam semi prontas em cima da cama. Tivemos ainda alguns contratempos, pois eu não achava minha carteira, mas enfim lembrei-me de tê-la deixado no carro. Entramos no carro, a Natália na frente com o Ricardo e eu atrás. Eu ia urrando; impressionante como a dor parecia ter aumentado dentro do carro. Acho que chegamos em cinco minutos. Demorou mais para eu ser atendida do que para chegar à maternidade. Eu continuava me expressando como uma grávida parindo, gemendo, só que agora as contrações eram mais intensas. Entrei na sala para o exame de toque e constataram que estava com 7 cm de dilatação. Lembro da médica dizer que “parecia que haveria um belo parto normal a ser feito”. A Natália entregou a ela meu plano de parto, mas eu já estava na sala pré-parto. Ela me relatou depois que a médica ficou meio indignada com a “história de plano de parto”. A minha sorte foi que cheguei bem na hora de troca de plantão e não tive que passar pelos crivos dela. Ela havia feito o parto de uma das meninas que esteve no quarto comigo. Essa me disse que teve o períneo cortado e apesar de ter ficado no chuveiro, sua barriga foi bastante empurrada. Assim que cheguei, me trouxeram a meu pedido uma bola de pilates, mas ela estava tão murcha que não dava pra usá-la. Mas alem de murcha, como o bebe já estava encaixando, a bola incomodava como se atrapalhasse o bebe de sair. Deixei-a de lado e fui para o chuveiro onde fiquei o tempo todo, até ele coroar.



Depois de dada a entrada, Ricardo e Natália puderam entrar ao mesmo tempo comigo. Do que eu me lembro, ela ficava me dando água, enquanto o Ricardo me fotografava no chuveiro. Ele estava explodindo de alegria e com a máquina em punhos ficou andando pelas salas, chegando a fotografar outra gestante em trabalho de parto. Natália me contou que o guarda pediu pelo menos 3 vezes para que ela saísse, ela saía mas voltava. Ela também ficou impedindo as enfermeiras de fazerem os exames de toque tradicionais, e só foi feito um exame de cardiotocografia depois que a bolsa rompeu, por volta das 20h. As enfermeiras foram muito cuidadosas comigo, elas sabiam que eu queria um parto humanizado, sem interferências, e ficavam pedindo para eu respirar para mandar oxigênio para o bebê.  No chuveiro eu usei tanto uma cadeira para me apoiar, quanto um banquinho, próprio para o parto de cócoras. Elas me perguntavam se eu sentia que ele estava encaixado, mas eu não sentia. Eu cheguei a me tocar, mas não conseguia distinguir se tinha a cabeça ali ou não. 

Então quando deu 21h a enfermeira olhou enquanto eu estava de cócoras e disse que já dava para ver a cabeça do bebê. Ela ficou meio preocupada, do bebe nascer ali no chuveiro e pediu pra que eu segurasse enquanto caminhávamos para a maca. Ela dizia pra eu respirar e segurar, para ele não nascer no caminho. Nesse momento pediram para a Natália sair. As enfermeiras foram chamar o médico obstetra que estava de plantão. Eu pedi para ele que queria o parto de cócoras, mas ele argumentou que era melhor que eu deitasse na maca, na posição supino. Eu ainda tentei contra argumentar mais ele foi enfático em dizer que era melhor para todos que fosse na posição que ele queria, então naquele momento e sentindo que eu não podia mais fazer nada eu deitei na maca. O Ricardo ficou filmando o parto e de certa forma ele confiava no médico de tal forma que o que o médico dissesse que era melhor, ele concordava. 

Depois que deitei, continuei sentindo as contrações e o medico me pedia para fazer força, mas não uma força explosiva. Tinha uma porção de pessoas assistindo e não entendo porque a Natália, que tinha acompanhado tudo, não pode ficar. Se fosse hoje eu ia exigir a sua presença. As pessoas que estavam lá ficaram falando, aquelas conversas que não tem nada a ver com a situação local. Eu só ouvia um “conversê” sem parar. Uma das enfermeiras que estava junto chegou com uma glicerina líquida e borrifou na cabeça do bebê, que já estava saindo. Depois que fui pra maca minhas lembranças são muito imagéticas, pois o filme feito pelo Ricardo foi visto inúmeras vezes por mim. 

Cinco minutos após eu deitar Heitor nascia, as 21:09h do dia 03 de maio de 2012. Eu estava muito cansada, mas ainda em meio a suspiros eu pedi ao médico que só cortasse o cordão quando parasse de pulsar. Ele pediu para eu sentir o cordão e dizia que não estava mais pulsando. Ricardo confirmou que não pulsava mais. Eu me esqueci completamente de pedir para o pai cortar o cordão. Como ele estava filmando esquecemos desse detalhe fortalecedor de nossos laços, mas só fui pensar nisso muitos meses depois, quando estava vendo o vídeo pela milésima vez. 

Eu peguei Heitor no colo assim que nasceu e disse para ele que estava apertadinho lá dentro. Logo em seguida as enfermeiras pediram para levar o bebe para os procedimentos de sugar, medir apgar, pesar. Quando eu terminei o trabalho de parto ainda faltava o nascer da placenta. Nossa, parecia mais dolorido que o próprio parto. Nesse momento o médico insistiu que tinha que aplicar a ocitocina, hormônio do amor, para acelerar a descida da placenta. Ricardo perguntou para ele se era um procedimento e ele confirmando, deixamos que aplicasse. Ele ficou por ali, conversando conosco.  Eu perguntei ao médico que, se caso eu quisesse a placenta, se ele se oporia. Ele riu e me perguntou para quê eu queria a placenta, o que eu faria com ela. Então eu disse que iria enterrá-la embaixo de um pé de pimenta, sei lá, que a placenta era minha e eu poderia fazer o que quisesse com ela. Antes de responder que se eu quisesse mesmo eu podia levar ele me perguntou qual era a minha formação e ficou falando com as enfermeiras da ideia quase maluca desse povo. 

Assim que Heitor nasceu deixaram a Natália entrar novamente e agradeci por toda ajuda, que tinha sido fundamental sua presença. Ela aproveitou a presença do médico e perguntou alguma coisa para ele e ele foi falando, na verdade ele perguntou para ela se ela queria a opinião dele acerca do tal parto humanizado. Só lembro dele dizer que parto não tinha que ter musiquinha não, as outras coisas não me lembro mais. Depois que desceu a placenta, tomei banho e fui para o quarto pós-parto. Eu estava com uma fome de leão e pedi ao Ricardo que fosse comprar um lanche, com direito a batatas fritas e refrigerante. Eu já estava degustando meu lanche quando a enfermeira entrou com um copo de chá e umas bolachinhas de água e sal. Só isso? Eu achei um desaforo com a mãe puerpéria, que havia passado mais de doze horas sem se alimentar e gastando toda sua energia com as contrações. A parte da alimentação deixou muito a desejar durante a estadia na maternidade. 

Nas noites eu ficava toda hora pedindo para a enfermeira que me trouxesse um copo de chá. Antes do Ricardo ir para casa pedi a ele que falasse para a enfermeira me trazer o bebê, pois já fazia duas horas que o tinham levado. Apenas por volta das duas da manhã trouxeram o Heitor para o quarto. A partir de então, os dois dias que ficamos na maternidade foi como um curso que tomamos, de cuidados para com o bebê. A única visita que recebi na maternidade além do pai coruja, foi a da querida amiga Amanda, que fez questão de ir fotografar nosso bebê tão desejado, no seu primeiro dia de vida.

Eu demorei quatro meses e meio para escrever esse relato.

Adriana Fernanda Busso.





[1] Em março de 2010, eu e Ricardo fomos ao Rio de Janeiro, assistir a dois dias de Paul MacCartney. Um ano depois, Calico Skies havia se fixado em minha mente e antes mesmo de saber da gravidez, mas já grávida, eu me emocionei muito lendo sua tradução. Tornou-se a música tema da minha gravidez, escutei-a muitas vezes. 

domingo, 25 de novembro de 2012

Pelo fim da violência contra gestantes e parturientes




A violência obstétrica é uma realidade corriqueira no nosso país. Mulheres gestantes e em trabalho de parto são constantemente humilhadas, agredidas tanto verbalmente quanto fisicamente através de procedimentos dolorosos e desnecessários, que inclusive colocam em risco a vida de ambos, mãe e bebê.

Informe-se, prepare-se, saiba dos seus direitos, e caso você já tenha sofrido uma violência assim, reclame, denuncie! Não se cale. A culpa não é sua!

O mundo já mudou muito, aos poucos estamos melhorando, as mulheres não precisam mais estar atreladas aos homens para serem respeitadas, e também não precisam apanhar e ficar quietas por não terem meios de prover a própria subsistência. Hoje já temos direito ao voto, ao trabalho e ao respeito. Somos diferentes, com certeza, mas os nossos direitos são iguais. Da mesma forma, não precisamos ficar quietas e "bem comportadas" durante o trabalho de parto, colaborando para o bem estar da equipe que nos atende! É ao contrário que deve ser!

 Sermos bem atendidas é direito nosso, e quem nos trata com educação não está fazendo nenhum favor.

Vânia Cristina Rondon Bezerra
25/11/2012

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Resposta ao Sr Alexandre Garcia: de novo!


         Você pode pensar o que quiser mas publicar seus preconceitos em vários meios de comunicação e chamar isso de jornalismo é uma coisa bem idiota!

A resposta pulicada no blog da Lígia foi muito bem escrita e completa. Aí está, para que possam inteirar-se de quantos preconceitos podem ser incluídos em um só artigo, e como alguém bem informada pode derrubar seus preconceitos um a um! Parabéns Ligia!

Link original para o log dela:
http://www.cientistaqueviroumae.com.br/2012/10/um-idiota-chamando-alexandre-garcia.html

Vânia C. Rondon Bezerra
Doula e Educadora Perinatal

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QUARTA-FEIRA, 24 DE OUTUBRO DE 2012

Um idiota chamado Alexandre Garcia

Em 2010, às vésperas do dia das mães, o jornalista da rede Globo Alexandre Garcia, não se sabe se sob efeito de algum transtorno ou apenas inspirado em sua própria ignorância e arrogância, deu umaentrevista tresloucada para a rádio CBN que mais parecia um compêndio de sandices e misoginia.
Afirmou ser o parto humanizado uma "bobagem", condenou a presença do acompanhante no parto; associou o parto de cócoras a práticas indígenas; chamou de "uma maluquice" o fato do Ministério da Saúde incentivar a gravidez de mulheres portadores do vírus HIV, entre outros impropérios frutos de uma mente retrógrada e reacionária.

Em virtude desse destempero todo, a rede Parto do Princípio emitiu uma Carta Aberta em repúdio às declarações do jornalista, intitulada "Quem está brincando com a saúde?", ressaltando seu desconhecimento a respeito de políticas públicas, de legislação federal, evidenciando o teor discriminatório das declarações, ressaltando as evidências científicas que atestam os benefícios tanto da presença do acompanhante quanto das práticas humanizadas de parto e nascimento, e ressaltando a existência de protocolos de atendimento às mulheres soro-positivas que evitam a transmissão vertical do HIV, tornando possível o nascimento de bebês saudáveis. Além disso, a carta enfatiza que o direito à reprodução é um direito inalienável, quer o jornalista queira ou não, e finaliza com a indicação de um bom número de referências científicas onde podem ser buscados e encontrados todos os aspectos discutidos - ao contrário do que fez o desvairado da barba branca.

Leia a carta aberta de repúdio aqui.

Então ontem chegou até mim um texto inacreditável do mesmo jornalista.
Inacreditável pelo teor de mentira, ignorância, tom discriminatório, pejorativo, ultrapassado, reacionário e absolutamente não procedente.
Que me leva a crer firmemente que:
  • o jornalista Alexandre Garcia sente-se absolutamente confortável em desprezar mulheres; 
  • em desdenhar de práticas humanistas que visam assegurar a essas mulheres o direito de serem bem atendidas, não por serem cidadãs, mas por serem seres humanos; 
  • não se dá ao menor trabalho de fazer qualquer tipo de pesquisa antes de emitir opinião - geralmente carregada em preconceito de gênero - a respeito de temas sobre os quais não faz a menor ideia do que sejam;
  • mostra como tornou-se ultrapassado, retrógrado e obsoleto, inclusive por não rever de nenhuma maneira sua posição reacionária, já manifestada dois anos antes e que gerou grandes protestos de ativistas dos movimentos sociais;
  • desconsidera totalmente o cenário atual da obstetrícia brasileira, fortemente marcado pela violência institucional que todos os dias faz novas vítimas;
  • mostra desconhecer por completo a Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, que por humanização entende a valorização dos diferentes setores envolvidos no processo de produção de saúde (usuários, trabalhadores e gestores), e cujos valores norteadores são o respeito à autonomia e ao protagonismo dos sujeitos, a co-responsabilidade entre eles e o estabelecimento de vínculos solidários. E que usa como lema o conceito de que QUEREMOS UM SUS HUMANIZADO;
  • seu texto não se assemelha nem de longe à prática jornalística, estando mais próximo de uma opinião desprovida de qualquer embasamento teórico que foi dada às pressas por absoluta falta do que falar.

O texto de Alexandre Garcia começa mencionando uma suposta mulher de 40 anos, diabética, que perdeu um suposto bebê de 5 kg por ter sido convencida pelo que ele chama de "campanha do parto humanizado". Alexandre afirma que ela "quis ter o bebê em casa, de parto natural e quase morreu junto com feto". Complementa afirmando que "ela foi uma vítima de um surto de imbecilidade que assola o país". A chama de "sobrevivente de São Paulo" e acredita que ela "deveria processar essa gente irresponsável que propagandeia o tal 'parto humanizado'".
Alexandre deve ter se esquecido do furor que suas declarações de 2010 produziram nos ativistas dos movimentos sociais - estará esse esquecimento associado a um possível caso de demência? Acho possível.

O parto domiciliar que Alexandre menciona simplesmente não existiu - como foi informado por algumas pessoas que assistiram à matéria da sucursal paulista da rede Globo que noticiou o caso. E não existiu porque a moça em questão, uma moça bastante simples que realmente perdeu o filho, sequer cogitou o parto domiciliar. Ela foi atendida em uma unidade de saúde já em trabalho de parto, com dilatação em curso, e no momento do nascimento, que foi bastante complicado, houve uma lesão de coluna cervical e o bebê não resistiu. Realmente uma tragédia, cujo envolvimento nesta trama sórdida criada por ele só serviu para tornar ainda mais trágica.
E que nada tem a ver com a humanização do parto - de que parte da mente perturbada desse jornalista saiu isso?

Alexandre ainda diz que comentou o ocorrido com uma colega da Globo, que afirmou que "no tempo que era idiota, ficou onze horas de cócoras recebendo acupuntura a esperar que o filho nascesse". Eu fico pensando que tipo de ligamentos existem nos joelhos dessa moça que a permitiram ficar 11 HORAS AGACHADA?! Que comentário infeliz. Infeliz e ofensivo. Infeliz, ofensivo e absolutamente irreal. 
E ele continua, dizendo que respondeu a ela que "isso só acontece com jornalista que acredita nas ondas de novidades desse tipo de retrocesso para o primitivismo"
Você se decida, ô Alexandre.
Você se decida aí se vai achar o parto humanizado uma ONDA DE NOVIDADE ou um RETORNO AO PRIMITIVISMO
De qualquer forma, é importante dizer que antropologicamente falando, o primitivismo não é algo ruim, pelo contrário. Reflete uma crença em uma suposta superioridade do estilo de vida simples de sociedades anteriores à era industrial. Mas não. Alexandre Garcia não acha isso legal. Ele é moderno. Ele é da era João Baptista Figueiredo. Mas gosta de modernidade.

Alexandre afirma também que "outra coisa que gostamos de propagandear é o quanto os índios têm a nos ensinar". Afirma que "parece mentira que quem entra nessa onda não pára para pensar que nossa cultura evoluiu séculos, milênios, sobre culturas que ficaram na idade da pedra" e que alguns "querem que abandonemos a evolução para aderir a primitivismos".
Parece até mentira...
Alexandre: você quer mesmo falar em índios?
Quer mesmo falar sobre o que os índios têm a  nos ensinar?
Quer mesmo falar sobre "o que os índios estão em busca"?
Vamos falar então.
Vamos falar sobre os índios como se deve, seu alienado reacionário metido a intelectual político bancado pela rede Globo.



Após atacar covarde e ignorantemente a humanização do parto, Alexandre Garcia direciona sua língua bipartida para os ambientalistas que lutam contra a construção de usinas hidrelétricas que levarão consigo grande quantidade de riqueza natural e humana, chamando-os de "grupos fanáticos" e tratando-os com arrogância e desprezo que antes dirigiu aos humanistas do parto.

O jornalista reacionário, que foi porta-voz do governo João Figueiredo por 1 ano e meio e que em início de carreira na Rede Globo fez-se tirando onda da cara de políticos, analisando as gafes cometidas e conquistando o apelidinho de "Alexandre Gracinha", termina o arremedo que chamo aqui de "texto"afirmando que "a praga do politicamente correto insiste em que somos todos iguais. Não somos". E afirma que somente perante um tribunal somos todos iguais e que na vida nos distinguimos por nossos "méritos e defeitos", e que "o resto é conversa mole de hipócritas".

Nesse ponto tenho que concordar com o jornalista: não, não somos iguais.
Enquanto alguns lutam pelo respeito à dignidade humana e à autonomia, enquanto outros suplicam pelo respeito à própria dignidade como seres humanos, enquanto outros são desrespeitados e violentados enquanto nascem seus filhos, vem um jornalista de imagem desgastada e ultrapassada desses pisotear a dor alheia.
Pelo  menos em uma coisa Alexandre Garcia foi certeiro em seu texto, que leva como título "Hipocrisia do correto em tempo de idiotas"(e que eu confesso que dediquei algum tempo a verificar se realmente procedia, se era real, tamanho absurdo de seu conteúdo, tendo encontrado a publicação do mesmo em diferentes portais de notícias). Realmente estamos vivendo em um tempo de idiotas. E são esses idiotas que o "pessoal da humanização" busca combater.
O que deixa bastante claro sobre em qual dos grupos se insere esse jornalista.

Façamos todos o que o militar João Figueiredo, último presidente da era ditatorial brasileira, do qual Alexandre Garcia foi porta-voz, sugeriu ao próprio jornalista na célebre entrevista que concedeu para este quando ainda trabalhava na extinta TV Manchete:

Esqueçam Alexandre Garcia*.

E que possamos lembrar também da frase dita pelo mesmo militar em resposta aos estudantes de Florianópolis:

Sim, Alexandre Garcia, sua mãe está em pauta**.



*em alusão à célebre frase de João Figueiredo em entrevista para Alexandre Garcia: "Eu quero que me esqueçam"
** João Figueiredo diz, em resposta a estudantes por ocasião de sua visita a Florianópolis: "Minha mãe não está em pauta"



segunda-feira, 10 de setembro de 2012

GRUPO DE APOIO AO PARTO NATURAL

SÃO CARLOS - SP

As reuniões acontecem quinzenalmente, às terças-feiras 19h30, em espaço cedido pela Prefeitura Municipal, na Rua 9 de julho, 1615 - Centro.

O ponto de ônibus mais próximo é o da Escola Álvaro Guião - antiga escola normal.

Não é necessário fazer inscrição.

A entrada é pelo portão do estacionamento e a sala de reuniões é no fundo  e à direita.

Se precisar de mais informações: 3413-7012 / 9794-3566 Vânia.

Venha receber informações de qualidade e preparar-se para dar à luz de forma respeitosa com você, seu bebê e sua família.

A Marcha já passou, mas nós continuamos caminhando!

Próximas reuniões em 2012: 11/09 - 25/09 - 09/10 - 23/10 - 06/11 - 20/11 - 04/12 - 18/12.

domingo, 10 de junho de 2012


O Globo Saúde - reportagem publicada em 10/06/2012

Em artigo inédito, a epidemiologista Maria do Carmo Leal, pesquisadora da Ensp/ Fiocruz escreve como são conduzidos os partos hoje no país


segunda-feira, 21 de maio de 2012

Um parto e mais de 2 milhões de espectadores

http://meus5minutos.globo.com/um-parto-e-mais-de-2-milhoes-de-espectadores/

Linda reportagem, linda, linda, linda!

Apreciem e aproveitem!

Beijos!

Vânia Bezerra.
vaniacrbezerra@yahoo.com.br
(16) 9794-3566
www.vaniadoula.blogspot.com

terça-feira, 15 de maio de 2012

Sistema público de saúde não incentiva o parto normal

Por Paloma Rodrigues - paloma.rodrigues@usp.br

Link original: http://www.usp.br/agen/?p=96326      Publicado em 4/maio/2012

A maioria dos hospitais da rede pública de saúde do Estado de São Paulo ainda não segue o modelo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a realização de partos. A instituição recomenda que seja incentivado o parto normal, em detrimento das cesarianas, bem como que os procedimentos sejam humanizados e ofereçam uma assistência segura com o uso apropriado das tecnologias para as gestantes e bebês. Segundo a obstetriz da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, Claudia de Azevedo Aguiar, “o profissional da saúde geralmente não tem o preparo para lidar com as emoções da mulher. Sua vontade e seu bem-estar não são priorizados na hora do parto”.

Hospitais ainda não seguem recomendação da OMS de
incentivar partos normais

Claudia é autora da dissertação de mestrado Práticas obstétricas e a questão das cesarianas intraparto na rede pública de saúde de São Paulo, que analisou prontuários de 158 parturientes de dois hospitais da rede pública de São Paulo, localizados na Zona Leste da capital. Um deles utilizava o modelo humanizado (Centro de Parto Normal) e o outro o modelo tradicional, com centro obstétrico. O estudo foi apresentado na Faculdade de Saúde Pública (FSP), orientado pela professora Ana Cristina D’Andretta Tanaka, também da FSP.

O parto humanizado prevê assistência total à mulher durante o trabalho de parto, visando seu conforto. “O que tem que ficar claro é que esse não é um momento de glorificação do profissional, mas um momento da mulher e o que tem que ser valorizado é a relação mãe-bebê”.

As mulheres analisadas eram consideradas saudáveis, o que as colocava na condição ideal para a realização do parto normal. Entretanto, por motivos diversos — esclarecidos de forma bastante contraditória nesses prontuários — elas foram submetidas à cesariana. “Algumas intercorrências podem levar a uma mudança de planos na realização do parto. O que ficou claro no estudo é que muitas mulheres poderiam ter seus bebês pelo parto normal, mas em função de intervenções excessivas ou por uma decisão arbitrária médica, elas foram impedidas”.

Dentre as ações envolvendo o parto humanizado, registradas desde 1996 nas Recomendações da OMS, estão: elaboração de um plano pessoal que determine onde e por quem será assistido o nascimento, direito ao leito hospitalar no ato do parto, oferecer líquidos orais durante o trabalho de parto (no modelo tradicional, ainda se adota o jejum, o que já foi esclarecido pela Medicina Baseada em Evidências como prejudicial para a saúde da mulher e do bebê) e não utilizar métodos invasivos e farmacológicos para alívio de dor durante o trabalho de parto, mas alternativas como massagens e técnicas de relaxamento.

No Brasil, a questão do acompanhante virou lei. Em 2005 entrou em vigor a lei nº 11.108, que diz “Os serviços de saúde do Sistema Público de Saúde, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato”. Contudo, uma das justificativas que Claudia teve da dirigente do hospital tradicional foi de que, por serem salas coletivas, os acompanhantes inibem as outras gestantes e lhes causam desconforto. Para Claudia, a justificativa não se vale, “elas apelam para a justificativa da falta de estrutura para dizer que não é possível garantir privacidade e acompanhamento para todas as mulheres, o que de fato não é uma justificativa válida já que essa obrigação é do estado”.

Falhas
Mesmo no hospital que utilizava técnicas do parto humanizado, pode se constatar falhas. Segundo Claudia, apesar de alguns direitos serem respeitados, como acompanhante, outros pontos são deixados de lado. “As gestantes ainda são submetidas a substâncias químicas e farmacológicas para acelerar as contrações e isso pode ser extremamente danoso para mulher e para o bebê”.

Uma substância muito utilizada é a ocitocina. Ela aumenta as contrações intrauterinas, o que acelera a dilatação da mulher, mas em contrapartida causa muitas dores na gestante. Ela é altamente danosa para o corpo humano, quando utilizada incorretamente e só é recomendada em casos extremos, quando as contrações estão abaixo do normal ou quando há parada na progressão do trabalho de parto.

O que ainda precisa ser melhorado é o atendimento, com um treinamento dos profissionais focado na humanização da saúde. “O curso de obstetrícia da USP foca muito nessa questão, mas vi que outras formações deixam isso de lado e o profissional passa a ser apenas alguém que tem de realizar seu serviço, o mais rápido possível”.

Cláudia destaca que o parto normal garante uma recuperação muito mais rápida à mulher, a mãe pode ficar com o bebê o tempo todo — o que não acontece na cesariana — há menos perda de sangue e menos uso de medicamentos e taxa de mortalidade menor. “Infelizmente, a cultura popular cultiva uma visão errada do parto normal, como algo muito doloroso. Claro que existe dor, mas todas as mulheres são capazes de passar pelo parto normal”, afirma.

Foto: Wikimedia Commons

Mais informações: e-mail claudia.azevedo@usp.br , com Claudia de Azevedo Aguiar

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Aumento de partos em casa por falta de alternativas naturais nos hospitais

08.04.2012 - 10:41 Por Catarina Gomes

Esta matéria vem de Portugal - e tem tudo a ver com o que está acontecendo também no Brasil, por isso achei pertinente copiá-la pra cá.

link original: http://www.publico.pt/Sociedade/aumento-de-partos-em-casa-por-falta-de-alternativas-naturais-nos-hospitais-1541217?all=1
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 Depois de, em 2004, Portugal ter atingido um número mínimo de partos em casa, 454, em 2006 houve uma viragem e, desde então, o número de mulheres que têm filhos no domicílio tem-se aproximado dos mil - ainda assim, cerca de 1% do total dos nascimentos. Para o presidente do Colégio de Especialidade de Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica, Vítor Varela, este é um movimento claro de fuga a um parto hospitalar excessivamente medicalizado e intervencionado. Porém, os hospitais públicos pouco se adaptaram a esta chamada de atenção.
Recuemos 42 anos, a 1970: em Portugal, 93% das crianças nasciam em casa, situação que, um ano depois do 25 de Abril, já está invertida, nasce-se sobretudo em hospitais. Quando chegamos a 1997, o país já está reduzido a pouco mais de mil partos domiciliários, face a uns esmagadores 111.226 nascimentos em ambiente hospitalar.

Rita Cruz teve de procurar muito para ter um parto natural num hospital. Passou-lhe pela cabeça ter um parto em casa, mas diz que não se sentiria segura porque o país não está preparado e porque sente que seria difícil "encontrar um profissional que lhe inspirasse segurança". O que queria era algo que lhe parecia quase impossível: ter um parto o mais natural possível mas num hospital público. Conseguiu. As fotos do nascimento de Marc mostram-na a ela e ao marido dentro de um tanque de água onde esteve grande parte das suas cinco horas de trabalho de parto, numa sala do Hospital de Setúbal. Pouco foi tocada e os enfermeiros que a assistiram limitaram-se a fazer ajustamento das posições do bebé, conta.

Rita, que vive em Faro, pensa que a atitude das mulheres quando vão ter um filho a um hospital é "tirem-me o bebé, vocês é que sabem fazer isso". É como se os profissionais de saúde fossem possuidores desse saber e nada estivesse nas mãos da grávida.

Fisioterapeuta de profissão, esta mulher sabia que não era assim: sabia que é bom a mulher ter liberdade de movimentos e não ter de estar deitada, que o facto de o bebé estar sempre a ser monitorizado impede essa liberdade de movimentos, que a epidural desacelera as contracções. Tudo o que Rita não queria no seu parto. E foi isso que levou escrito no seu plano de parto, um documento assinado por si e pelo marido depois de uma pesquisa no site da Organização Mundial de Saúde. Visitaram o hospital às 30 semanas e discutiram o plano de parto com o enfermeiro responsável. Claro que, se houvesse complicações, deixavam "margem de manobra" para todas as soluções técnicas necessárias, da cesariana aos fórceps.

Partos na água

No sistema público, o Hospital de São João, no Porto, foi anunciado em 2008 como tendo uma experiência pioneira de partos na água, mas está desactivado, confirma Lisa Vicente, chefe da divisão de saúde reprodutiva da Direcção-Geral de Saúde, ressalvando que "as medidas de promoção de partos normais menos intervencionados e em segurança vão aparecendo nos vários serviços". Para tal concorrem também os esforços de diminuição das cesarianas.

A responsável afirma que foi importante o apoio de um documento que define o que é "um parto normal em ambiente hospitalar", reconhecendo que há práticas que se instalaram relativamente às quais não existe demonstração científica de terem qualquer utilidade no desfecho de parto. É o caso das tricotomias (rapagem dos pêlos púbicos) e dos clisteres antes do parto.

O bastonário da Ordem dos Enfermeiros (OE), Germano Couto, veio dizer, no mês passado, que o aumento do número de partos no domicílio, em Portugal, está muito relacionado com a "falta de resposta dos serviços de saúde às opções assistenciais que as mulheres e os casais desejam ver asseguradas no nascimento do seu filho". Aquele responsável vê os partos em casa como "um "novo" paradigma assistencial requerido pela sociedade civil".

Retrocesso, dizem médicos

A Ordem dos Médicos respondeu aos enfermeiros dizendo que o que entendiam ser "uma campanha em favor dos partos no domicílio" representava "um retrocesso". Alegam os médicos: "Para que o parto em casa pudesse ser uma opção admissível, seriam necessários meios logísticos sofisticados e dispendiosos, para nós incomportáveis, para apoio assistencial ao domicílio e transporte medicalizado dos recém-nascidos e grávidas com problemas inesperados".

Joana Duarte, escriturária de 34 anos, teve o seu primeiro filho num hospital público da Grande Lisboa há seis anos e toda a experiência foi traumática: "Aceleraram-me o parto com ocitocina [hormona], rebentaram-me as águas com um gancho metálico, vários profissionais fizerem-me toques vaginais sem me pedirem autorização" e "o corte [do períneo] foi mal feito, rasguei até ao ânus. Estive dois meses sem me conseguir sentar. Não me lembro da cara e do nome de ninguém, de um carinho, nada". Todo o parto aconteceu com Joana deitada e ela, que tanto queria amamentar, saiu do hospital com o filho alimentado com leite artificial.Prometeu-se, na altura, "que se tivesse outro filho não tinha de passar por aquilo". O segundo nascimento foi uma fuga a tudo por que passara no hospital. Decidiu que iria ter o parto em casa, apesar de quando estava grávida ter sido tornado público o caso da apresentadora Adelaide de Sousa, que esteve em casa quatro dias em trabalho de parto, correu risco de vida e teve de ser levada para o hospital, onde o bebé nasceu de cesariana.

Andar duas horas

A filha de Joana Duarte nasceu em casa em 2010, com o seu corpo mergulhado na banheira da sua casa de banho, com um enfermeiro e uma doula (profissionais que fazem assistência emocional em partos em casa). Quando as contracções se intensificaram, foi para a rua andar durante duas horas e foi Joana quem disse ao enfermeiro que estava na hora de nascer. "Foi tudo mais normal", recorda.

Vítor Varela defende que "as mulheres sentem-se mais seguras nos hospitais mas é necessário criar nos hospitais serviços de obstetrícia de baixa intervenção que respeitem o processo de parto natural".

O responsável não tem dúvidas de que a tendência será para o aumento dos partos em casa, também por causa da "falta de cumprimento das expectativas e desejos e necessidades das parturientes pelos profissionais de saúde". Um entrave ao aumento dos partos em causa, que costumam ser procurados por casais mais escolarizados, é o preço: ter um filho em casa não custa menos do que dois mil euros, admite o presidente do Colégio de Especialidade de Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica.