Estou divulgando o texto abaixo pois o considerei como uma excelente oportunidade de refletirmos sobre a paternidade responsável, às vesperas do dia dos pais.
Pais desertores, crianças na lixeira!
Médica, mulher, mãe , avó, cidadã...
Gostaria de iniciar esta conversa assim: “hoje ao ligar a televisão para assistir ao noticiário matinal fui surpreendida com a terrível noticia que uma mulher deixou seu filho em uma lixeira”. Seria uma maneira bonita e até eloqüente de iniciar. Acontece que não seria verdade, pois fato semelhante já não me surpreende embora me deixe consternada e apreensiva, dada a freqüência com que ocorre. E desta vez a própria mãe (que deixou a criança na lixeira) ligou para a polícia, certamente preocupada com seu bebê.
Em seu depoimento à policia devidamente gravado pelo meio de comunicação, a mãe confessou que deixou seu filho na lixeira por que, segundo ela, não tinha condições de criá-lo, mas ligou para a polícia e ficou aguardando para ter certeza que a criança ficaria bem.
Em seguida a matéria mostrou entrevista com trabalhadoras do hospital para onde foram levados mãe e filho e como era de se esperar, todas fizeram mais ou menos a mesma fala; “como uma MÃE tem coragem de abandonar seu filho?”
Mas como já disse, este não é um caso isolado muito menos raro e muito menos novo como mostram as manchetes:
“Desprezo materno: Mulher abandona menino no Rio de Janeiro e o manda procurar outra mãe” Veja 11 de outubro 2000
“Mulher abandona filho recém-nascido em banheiro de oficina em Belo Horizonte” Publicada em 20/09/2009 10:45 Globo Minas
“Mulher que abandonou o bebê no lixo, tem ao todo dez filhos” Publicada em 27 de Abril de 2011 às 10h55 BRA notícias
“Mulher é presa depois de abandonar bebê de 3 meses” Seg, 18 de Abril de 2011 13:05 Manchete on line
Em uma rápida busca na internet qualquer um encontrará inúmeras histórias de mulheres que descartam seus filho(a)s em lixeiras, banheiros, lagoas, etc e certamente nem tomamos conhecimento daquelas que os abandonam nas florestas, nos rios (os filhos de boto), porque lá de tão ermo, a imprensa nem chega...
Mas nos casos que viraram notícia e que tive oportunidade de assistir, vi com tristeza rostos alguns endurecidos outros transtornados outros assustados e todos muito, muito solitários. Olhares que não buscavam nada e nem ninguém, provavelmente porque não tinham a quem buscar. Ninguém quer ser parte de uma história tão abominável. Para uma sociedade que professa o cristianismo mariano que tem em Maria Mãe, o modelo feminino a ser buscado com forma de perfeição é difícil evitar o sentimento de repulsa por um ser humano que tem coragem de abandonar de forma tão cruel sua cria, sangue do seu sangue, carne da sua carne. Há quem até questione a humanidade destas mulheres.
Mas sabe o me chama atenção? Jamais vi qualquer manchete assim: “Desprezo paterno: homem abandona filho...” ou “homem é preso após abandonar bebê na barriga da mãe”, ou após o nascimento ou a qualquer momento da vida... Como será que nós reagiríamos diante de tais notícias? Numa sociedade machista e patriarcal onde a masculinidade pressupõe apenas a direitos e nenhum dever, seria realmente espantoso...
Ao longo da história deste país, aos homens foi dado o direito de gerar filhos sem a menor preocupação ou responsabilidade e de abandoná-los sem o menor remorso ou receio de punição.
O estabelecimento da filiação paterna, na legislação e na cultura patriarcal brasileira está fortemente vinculado à vontade e ao arbítrio do homem-pai e está efetivamente garantido apenas para as crianças nascidas dentro da família tradicional.
Os números de NÃO reconhecimento paternos no Brasil, que chegam à espantosa cifra de 30% em alguns municípios, constituem uma perversa modalidade de machismo que impacta negativamente a vida das crianças e das mulheres que sozinhas, sem a solidariedade do companheiro, arcam com todos os encargos financeiros e sociais assumindo inteira responsabilidade pelo futuro da prole. O quadro torna-se particularmente devastador quando esta mãe (mulher/menina) é adolescente com baixa escolaridade constituindo um circulo de total vulnerabilidade para todos os membros daquele grupo familiar
Fico imaginando se somos mesmo um estado democrático... Que democracia é esta onde 30% dos cidadãos e cidadãs já nascem capengas de um direito elementar que é a identidade biológica?
E a proverbial e internacionalmente famosa solidariedade do povo brasileiro? Só fachada! Como posso acreditar na solidariedade de homens que abandonam suas mulheres e seus próprios filhos?
Espero viver o suficiente para ver os homens do meu país transformados em cidadãos realmente solidários; homens que ao praticar sexo com uma mulher, pensem que aquela relação pode gerar uma criança e se ele não tem intenção de assumi-la deve se proteger; homens que ao gerar uma criança assumam com ela, com a mulher que engravidou e consigo próprio um compromisso de solidariedade com o sustento, com a educação e com futuro daquela criança.
Enquanto existirem homens desertores teremos crianças na lixeira.