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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Aumento do parto domiciliar na região

Mulheres de classe média optam pelo parto domiciliar

No ano passado, região registrou 44 partos em casa, sendo 13 deles em Ribeirão Preto; médicos não apoiam a medida.

Psicóloga precisou buscar ajuda em São Carlos; esse tipo de parto demanda persistência e muito planejamento do casal.




A arquiteta Carolina Maistro como filho de três meses Ivan, no apartamento dos avós do garoto


LIGIA SOTRATTI
DA FOLHA RIBEIRÃO

Se dar à luz em casa foi, no passado, a única alternativa para a maioria das mulheres, hoje, a decisão de ser mãe no conforto do lar é uma opção para um grupo seleto de mães de classe média. Com pouco apoio da classe médica, a decisão requer persistência, planejamento de todas as etapas -inclusive um plano "B"- e investimento de cerca de R$ 3.000.
De acordo com levantamento divulgado na semana passada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), na região foram realizados 44 partos domiciliares em 2008. Em Ribeirão Preto, 13 bebês nasceram em casa.
Antônio faz parte dessa estatística. Em março de 2008, ele nasceu em casa graças à insistência de sua mãe, a psicóloga e artista plástica Isabela Mosca Pereira. "O parto normal sempre foi uma vontade. Quando resolvi ter meu filho em casa, eu e meu marido começamos uma maratona para achar alguém que aceitasse fazer."
Sem opções na cidade, a ajuda veio da enfermeira obstetra Jamile Claro de Castro Bussadori, 34, de São Carlos.
"Para ter um parto domiciliar, é preciso uma gravidez de baixo risco, ou seja, uma gestação sem problemas, e que mãe e bebê estejam bem. Depois da questão de saúde, é preciso trabalhar o lado emocional. É essencial que a mulher conheça o seu corpo para estar tranquila na hora do parto", disse Jamile.
Jamile carrega os instrumentos necessários ao parto e a banheira em que a parturiente vai dar à luz e diz sempre ter um plano "B" traçado. "Discutimos tudo antes, o hospital que a mãe será encaminhada, caso haja alguma alteração, e até o trajeto do deslocamento."
Mesmo com os cuidados, o coordenador de obstetrícia do HC (Hospital das Clínicas), Geraldo Duarte, não recomenda o parto em casa. "Se no momento mudarem as condições, para onde vai essa gestante? Vai ter vaga no hospital? Vai ter um obstetra à disposição? Para qualquer complicação de obstetrícia é preciso um hospital e um médico", afirmou.
Outra opinião tem a médica ginecologista Betina Bittar. Desde 1997, ela trabalha em São Paulo fazendo partos domiciliares. Ela admite que a opção é mais difícil, mas é viável.
"Levo todo equipamento, oxigênio, soro, alguns remédios, material de entubação. A gente sabe que pode terminar no hospital. Mas, segundo a minha experiência, isso é raro."
Isabela diz que as aulas de ioga e a intimidade com o próprio corpo contribuíram para um parto tranquilo "Fiquei 25 horas em trabalho de parto e não foi cansativo. Foi bonito e especial. Se puder, quero ter o próximo da mesma maneira."
A arquiteta Carolina Maistro, 30, que teve o bebê em casa em agosto, também quer repetir a experiência.


OMS recomenda só 15% de cesáreas; aqui chega a 88%
Profissionais dizem que exagero se deve à conveniência dos médicos e pacientes.
"Desinformação é o que leva a maioria das mulheres a não considerar o parto natural como a primeira opção", diz enfermeira.

O número de crianças que nascem de modo natural tem caído ano a ano no país. Profissionais da área da saúde e mães apontam que a principal causa do aumento das cesáreas é a conveniência -para médicos e pacientes- e o medo da mulher de sentir dor.
De acordo com o Ministério da Saúde, 40% dos partos cesarianos no país são desnecessários. O índice recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15%. Na maternidade Sinhá Junqueira de Ribeirão Preto, esse índice chega a 88%. Neste ano, em média, o hospital realizou 300 partos -somente 12% deles foram normais.
Para o coordenador de obstetrícia do HC (Hospital das Clínicas), Geraldo Duarte, o alto índice de cesáreas é pura comodidade. "É culpa do médico e da população. É mais tranquilo para o médico em termos de tempo e para a mulher, que não vai ter que fazer tanto esforço. A cesárea é feita com hora marcada e termina em até uma hora. O parto natural leva, em média, de oito a nove horas de trabalho intenso", afirmou.
Para a enfermeira obstetra Jamile Claro de Castro Bussadori, que faz parto normal em domicílio e em hospital, a desinformação é o que leva a maior parte das mulheres a não considerar o modo natural como a primeira opção.
"As mulheres têm medo, principalmente devido àquele estigma de que o parto é um sofrimento e aos relatos de avós e mães que tiveram muitas dores para dar a luz", disse.
Para a ginecologista Betina Bittar, que realiza partos domiciliares e hospitalares, há várias explicações para o elevado número de cesáreas.
"Mulheres foram muito maltratadas e desassistidas e passaram a outras gerações essa experiência ruim. Somado a isso temos uma classe médica mal remunerada que não incentiva esse tipo de parto porque absorve mais tempo e disponibilidade do profissional. Em vez de fazer vários procedimentos, o médico pode passar um dia todo com a parturiente. Tem também a questão da mulher não se sentir capaz. É um conjunto", afirmou.
Ricardo Carvalho, ginecologista da HC e docente da USP (Universidade de São Paulo), afirma que é preciso um equilíbrio. "Até que se prove o contrário, a indicação deveria ser normal. A cesárea deveria ter uma justificativa médica, como o feto estar em sofrimento ou sentado, entre outros problemas", afirmou.
No entanto, a escolha pelo parto normal tem entraves. "Uma questão cultural que dificulta é que a mãe quer que o médico que fez o pré-natal realize o parto. Como no modo natural não tem horário e nem dia para nascer, pode ser outro profissional de plantão. Muitas vezes, isso leva a mãe a agendar a cesárea para ter o mesmo médico", disse.
Entre as vantagens do parto normal apontadas pelos médicos ouvidos pela reportagem está a recuperação mais rápida da mãe e a menor incidência de problemas como depressão pós-parto e desmame precoce.


Arquiteta de Florianópolis tem o filho na casa da sogra

A arquiteta Carolina Maistro, 30, desde que descobriu a gravidez, estava determinada a ter seu bebê em casa, em Florianópolis. Aos sete meses, resolveu visitar a família em Ribeirão, sua terra natal. Foi, então, que o bebê resolveu nascer.
"Quis passar por todo o processo, mas não esperava que fosse na casa da minha sogra. Não vou dizer que não senti dor, dói e muito. Mas eu estava calma e saber o que está acontecendo com meu corpo amenizou. Foi como eu imaginava."
Ao oito meses de gestação, a professora de educação física Tatiana Bierrenbach Carreiro, 29, já se decidiu. "Aguento bem a dor e não gosto da ideia de hospital, de não ficar com meu filho nos primeiros momentos. Meu marido é médico e, desde o começo, foi a nossa opção ter o bebê em casa", conta.
Com parto previsto para o fim de dezembro ou começo de janeiro, a futura mãe se diz preparada. "Fiz oficina para gestantes e vi que trocar histórias, medos e expectativas com outras mulheres é muito importante. Estou bem segura da minha decisão", afirmou.
Para não preocupar a família, ela adiou a comunicação de seus planos. "Não quero que o pessoal fique preocupado e ansioso. Depois eu te conto."


Parteira que se aposentou apoia o procedimento

Longe de mulheres grávidas há 17 anos, a parteira aposentada Thereza Garófalo, 72, é favorável ao parto normal e lembra com carinho da época em que ajudava bebês a nascer.
"Passei a minha vida toda em hospital e foi lá, fazendo cursos, que eu comecei. Quem abraça a profissão na área de obstetrícia e tem amor a isso, vive muita emoção. É um momento muito bonito", afirmou.
Entre as crianças que trouxe ao mundo está o neto, hoje com 35 anos. Ela diz não se lembrar do total de partos que já fez.
"Foi muita gente, a maioria parto normal. Acho uma pena isso ter mudado, a cesariana é uma boa alternativa quando as mães não têm condições para o modo natural, quando há dificuldade. Mas hoje ninguém nem mais tenta parto normal e já agenda a cirurgia", disse.
Thereza lamenta o desaparecimento do seu ofício. "Hoje ninguém valoriza mais. Na minha época, eu trabalhava em parceria com o médico. Acompanhava a parturiente, relatava a situação para o médico. Era um trabalho de orientação e apoio à gestante", disse.


*Fonte: FOLHA RIBEIRÃO